O nome do seu livro é "Corações
descontrolados. Ciúmes, raiva, impulsividade, o jeito borderline de ser".
Que jeito é esse?
Todos nós apresentamos momentos de
explosões de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor,
ciúmes intensos, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo de
rejeição, insatisfação pessoal. E, quase sempre, isso gera transtornos e
prejuízos para nós mesmos e/ou para as pessoas ao nosso redor. Porém, quando
esses comportamentos se apresentam de forma frequente, intensa e persistente,
eles acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de
adaptação do indivíduo ao seu ambiente social. Quando isso ocorre, podemos
estar diante do transtorno da personalidade borderline. Os borders apresentam
hiperatividade emocional, ou seja, é muito sentimento e muita emoção sempre. E
costumam lidar muito mal com qualquer tipo de adversidade, especialmente as que
envolvem rejeição, desaprovação e/ou abandono. Quando se deparam com uma
situação dessas, desencadeiam uma reação de estresse muito mais intensa e
abrangente do que o esperado. E chama-se borderline por isso, porque vivem no
limite das emoções.
É o transtorno do amor?
É o transtorno dos afetos. Porque o
amor deve ser funcional, positivo. O que o border tem é um afeto disfuncional.
Existe uma personalidade borderline e
um transtorno de personalidade borderline? Como é isso? Qual a linha divisória?
A personalidade é o jeitão de cada
um. É a parte biológica somada ao que aprendemos, à cultura. A junção dessas
duas partes vai gerar uma série de comportamentos recorrentes, que caracterizam
a personalidade de cada um. A personalidade borderline é marcada pela
dificuldade nas relações interpessoais, pela baixa autoestima, instabilidade
reativa do humor e impulsividade. Quando essas características se apresentam de
forma muito disfuncional, nós a chamamos de transtorno.
Tipos diferentes de personalidades,
mesmo com traços aparentemente negativos, podem ser requisitos para
determinadas atividades, não? Quer dizer, não é qualquer tipo de pessoa que
pode ser, por exemplo, um médico voluntário, trabalhando em meio à fome na
África ou ajudando sobreviventes do terremoto no Haiti.
Só é transtorno quando apresenta
problemas sérios para a pessoa, quando é tão disfuncional que a pessoa deixa de
ser produtiva. Tirando isso, a personalidade border, ou, como dizemos, o traço
border, pode ser muito interessante, se a pessoa não tem ataques de fúria,
dependência. Grandes causas sociais, como você mencionou, demandam pessoas com
grande capacidade de sentir empatia, com grande sensibilidade e que precisam de
um alto grau de aceitação. Uma outra característica comum nessas pessoas é a
fluidez na autopercepção. Por isso, pessoas com traço border dão grandes
atores. Quando tratamos alguém com o transtorno, temos que ter em mente que,
antes de mais nada, essa é uma maneira de ser, uma base estabelecida que não
muda. O que buscamos no tratamento é transformar o transtorno em traço: ou
seja, a pessoa vai continuar a ser sensível, emotiva, mas ela não vai capotar
naquilo, vai canalizar para coisas produtivas.
O quanto do transtorno é biológico e
o quanto é fruto do meio? No livro, a maior parte das pessoas com o transtorno
teve vidas muito duras, marcadas por abuso sexual, agressão física, abandono.
Como se pode dizer que isso é biológico?
Sabemos é que 50% são biológicos e
50% estão relacionados à criação, ao meio, à cultura. Quando a pessoa tem a
biologia, mas vive num meio normal, o transtorno vai se apresentar de uma forma
muito mais branda ou como traço. A estrutura genética não muda, mas é possível
moldar a forma como se apresenta.
Como é a vida de quem tem o
transtorno?
A pessoa tem uma dificuldade muito
grande nos relacionamentos. Ela tem a autoestima destruída. Se vê muito pior do
que é, de maneira depreciativa, e acha que a solução está no outro; é na
dependência afetiva do outro que ela busca segurança e legitimidade. E é muito
impulsiva. Mas essa impulsividade se manifesta de uma forma muito específica:
ela está relacionada a explosões de raiva e ira. O border, como dizemos, é
aquela pessoa que, literalmente, fica cega de raiva. Todo mundo que já viveu
uma paixão alucinada sabe como é ser border: esse é o jeito border de ser. O
estado da paixão, de acordo com a ciência, dura de dois meses a dois anos
justamente porque, se durar mais, ninguém aguenta. Mas o border vive assim.
Trata-se de um transtorno que acomete
muito mais mulheres do que homens. A neurociência explica por quê?
Sabemos que 75% dos pacientes são
mulheres. Não sabemos exatamente por quê, mas não chega a ser uma grande
surpresa se pensarmos que o transtorno está relacionado a uma hiperatividade do
sistema límbico, que é o nosso verdadeiro coração, a região do cérebro que
regula as emoções. No border, o sistema funciona demais, no extremo das
emoções. Nos momentos de maior impulsividade, é como se houvesse uma pane total
no sistema, um curto-circuito. Como a questão das emoções já é naturalmente
mais marcada para as mulheres, é de se esperar que elas sejam a maior parte dos
pacientes. Por outro lado, os homens, com cérebros mais racionais, são a
maioria dos que sofrem de transtorno de psicopatia — em que o sistema límbico
não funciona ou funciona muito pouco, o que os torna incapazes de ter empatia,
de se sensibilizar com o sofrimento dos outros.
A adolescência é uma época em que as
emoções já são muito mais intensas. Como é o transtorno nessa fase da vida?
O transtorno surge pela primeira vez
nessa fase que é, em geral, quando ocorre o primeiro rompimento ou afeto não
correspondido. Essa rejeição desencadeia o curto-circuito. A adolescência é a
época das paixões, da impulsividade, da sexualidade, do comportamento de risco.
Tudo isso faz parte, o adolescente tem que arriscar para aprender. É uma
erupção emocional. No border, no entanto, é uma hemorragia. A automutilação é
um comportamento recorrente. E se você perguntar por que ele fez aquilo, vai
dizer que é para aliviar a angústia, o vazio.
E alivia mesmo? Por quê?
Sim. Ele se sente muito melhor porque
deixa de sentir angústia. Quando há uma ameaça física ao corpo, o sistema de
defesa e estresse é acionado. A substância liberada para tamponar a agressão é
a endorfina, que é um anestésico. Por isso, um tratamento ótimo é a atividade
física intensa, que libera endorfina.
A Carminha, de Avenida Brasil, é
border?
Totalmente. Basta ver aquelas
explosões de fúria, de ódio, sua instabilidade emocional. E, ao mesmo tempo, o
grande pavor que tem da rejeição. Aquela família é seu alicerce, ela jamais se
separaria, embora diga o contrário.
Existe tratamento?
É possível diminuir a hiperatividade
do sistema límbico com medicações específicas em doses específicas — muitas
vezes mínimas. Com isso, você reduz muito os ataques de fúria, os atos
destrutivos, as agressões; baixa a bola do sistema mesmo. Mas, paralelamente, é
preciso terapia, uma terapia muito específica, mais direcionada para o presente
do que para o passado, que vai treinar a pessoa a viver com menos intensidade,
a sangrar menos. A não morrer de hemorragia.
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